quinta-feira

NOTAS SOBRE O ASSASSINATO DE MARIELLE FRANCO

1. O assassinato político no Brasil costuma ser velado, com cara de pane,
doença, suicídio ou latrocínio. Ex.: Teori, Eduardo Campos, Ulysses
Guimaraens. Políticos geralmente matam assim.

2. Marielle foi morta por emboscada, como se matam lideranças rurais e
indígenas, sem nenhum tipo de acobertamento. Ex.: Chico Mendes, Dorothy
Stein, Toninho do PT, Celso Daniel. Mafiosos e fazendeiros costumam matar assim.

3. Assassinatos brutais de lideranças urbanas, por ódio ou silenciamento,
acabam incriminando fanáticos e/ou o poder paralelo. Ex.: CCC, Milícia,
Caça a terreiros.

4. Se tomarmos como uma morte comum, o que é impossível nesse caso,
ainda se tratará de uma mulher, negra, pobre, entre 35 e 45 anos. Estatística
que só perde no Brasil para homens negros pobres entre 20 e 30 anos.

5. A candidatura Marielle foi uma estratégia usada em outras capitais e
grandes cidades. Belém, Belo Horizonte, Campinas, Porto Alegre.

6. O perfil dessas candidatas era de mulheres jovens, oriundas dos movimentos
sociais e estudantis, feministas, concorrendo com centralização de verbas de
campanha, encabeçando listas e muitas vezes recebendo votações expressivas,
principalmente do voto feminista.

7. Uma vez eleitas, a não ser que assumam papéis ecumênicos, dificilmente
não estarão ameaçadas. A plataforma que as elege já é suficiente para deixar
todo tipo de poder macho furioso.

8. No Rio, tenho sido executada pela PM, Exército, governistas, milícia ou tráfico,
os mandantes continuam sendo implementadores de políticas autoritárias,
truculentas e genocidas.

9. O número de assassinados não é menos alarmante do que o número de
ameaçados, protegidos por programas de testemunhas e emigrados por
terem denunciado práticas criminosas que misturam máfia e política.Ex.:
Freixo, Padilha, uma infinidade de juízes e procuradores

10. Para quem está preocupado com as instituições, esse é mais um passo
em direção à total instabilidade da democracia.

11. Ao dar a notícia como assalto, no primeiro momento, imprensa internacional
e imprensa hegemônica brasileira corroboram para a criação de uma cortina
de fumaça e para a justificar o estado de exceção, que na prática já existe e
agora angaria bases legais.

12. A morte de Marielle, Victor Heringer, ou, seis anos atrás, de Ericson Pires
nos faz experimentar por segundos e de forma ínfima aquilo que sentem as
famílias atingidas por conflitos gerados no mais das vezes por pobreza, racismo,
misoginia e ingerência do estado. Mas são mortes muito diferentes entre si e
essa diferença precisa ser considerada.

13. O que as iguala é a sensação de orfandade, impotência, de golpe. E talvez,
mais frágil e insipiente, um embrião de revolta, e, ainda mais distante, a sensação
de que somos muitos e que, se esquecermos das banalidades, podemos disputar
o futuro.

domingo

NOTAS SOBRE HUMOR, RESISTÊNCIA E MÚSICA


tô ouvindo o podcast do Luca Argel, é maneiro. foi dica do Thiago Gallego. É de música portuguesa atual, mas constela a música portuguesa toda que ele tem achado interessante. enquanto tocava uma música dos anos 1980, de uma banda de rock de lá, identifiquei algumas coisas. e resolvi fazer uma reflexão veloz e irresponsável. Vai pro Rafael Zacca também, porque tem pensado e feito humor. 1. apesar de ser dos 1980, a estrutura musical era a rockabilly, que é anos 1950. 2. a música era engraçadinha, parte dela era cantava por uma criança, que o vocalista mandava calar a boca e retomava o vocal. 3. nos anos 1980 nosso rock era muito humor tbm. é só pensar em blitz e ultraje a rigor. até paralamas com "óculos", por exemplo. se imaginarmos que o contexto era de fim de ditadura lá e aqui, tirei algumas conclusões que me desagradaram e me preocuparam. apesar de o juca chaves já fazer humor "político" antes, inclusive na época da canção de protesto no brasil, o humor entra firme, como linguagem talvez até hegemônica, nos anos 1980 por aqui. se olharmos a sucessão das escolas e linguagens marcantes canção feita nas décadas de ditadura que chega até nós, podemos imaginar: 1. 1960's a canção de protesto, revolucionária e de denúncia. 2. 1970's a canção depressão, a fossa toda, a filosofia dos mineiros e o desbunde místico ou festivo ou depressivo de novo de baianos, paraibanos e cearenses. 3. 1980's a música de rádio, Gil fazendo discoteca, caetano fazendo rock e o resto era rock praia, humor e filme de surfe. os titãs tavam ali nos 1980, tinha mais gente ali, legião também. claro que nos 1960 tinha jovem guarda que era louvação do motor e de uma juventude rock bosta engomadinha e pitbosta, mas como pensamento possível de revide, de propostas de fuga, era a nossa versão da canción protesta que tava valendo. e nos 1970 a mesma coisa, tinha um samba universitário politizado ali, mas nunca saiu dos subterrâneos. a galera escutava ivan lins, gonzaguinha e o fagner depois que se pasteurizou. e nos 1980 devia ter mais coisa interessante, eu que tô desatento. mas vale a hipótese: 1. a ideia era derrubar o regime, inclusive a partir da arte. 2. quando não deu veio a fossa e o desbunde, a negação de tudo, o epicurismo nosso. 3. quando ficou besta negar tudo, a moçada resolveu topar, só que sem se entregar completamente, ou até se entregando, mas tirando sarro de si mesmos por causa disso por o humor. 4. e ainda uma quarta preocupação, entrou a aparelhagem com força. em termos de textura muita coisa mudou, mas em estrutura musical, aqui se ousou pouco, né? ou tô falando só do mercado? aí levanto a lebre. apesar do humor que propunha o brecht, das murgas uruguaias, não será o humor um puto de um integrador? Ri aí um pouquinho enquanto a lama sobe, depois esquece. Não é complicado? Ou será que o humor era já porque a possibilidade de rir nos era dada já que o regime militar tava se desmontando, como um presságio?

quarta-feira

ALGUMAS NOTAS SOBRE "BLADE RUNNER"

1- só tinha visto o filme com 4 anos de idade, passando no corujão. finalmente consegui sentar e rever.
2- muito interessante como a crença no futuro era barroca: tudo, até as paredes, é cheio de texturas e funcionalidades de forma abarrotada e arabesca; tudo é escuro e sobreposto. mas não me engano, não havia só essa tendência. o filme tenta se filiar a um imaginário punk. filmes mais antigos como "thx 1138" do george lucas já trazem a ideia de "futuro de sucesso" que se difunde hoje: tudo branco, poucas formas, tudo clean. a impressão que tenho é que o clean ou o barroco são quase uma questão de classe: clean para os ricos e para o poder, barroco e apocalipse para os pobres.
3- por outro lado é legal entender que a ideia de avanço tecnológico ali não previa o virtual. apenas o mecânico e o genético. daí algo como tudo ser um bicho sujo multifuncional e incompreensível.
4- mas têm estética nisso: nosso ideário clean atual continua tendo muitas engrenagens e máquinas e fios. a diferença é que preferimos construir carenagens pra tampar isso. ou seja: o mundo de "blade runner" poderia ser o nosso se aquela sociedade tivesse a vontade de construir "roupas" para os seus utensílios, assim como fazemos latarias para os carros e eletrodomésticos. Mas eles, como em uma ode à tecnologia, preferem deixar tudo à mostra.
5- em 2019, ali, ainda era tranquilo correr atrás da mina, trancar a porta antes que ela saísse e pegá-la à força. nem os replicantes tinham sossego. o mais interessante é que o filme transmite isso como: o homem sabe que a mulher quer, por isso ele a força e então vivem felizes até o fim. Que coisa triste. E que coisa recente um sentimento mais compartilhado de que isso é triste.
sigo matutando

Leveza, ou Está a jogo ou a passeio?

Agora há pouco tava voltando da creche do Zoé. Comecei a sacar que a bike tava boa, rodando fácil. Saquei depois que na verdade era eu que tava dispostão, levinho. Entendi que devia ser porque ontem dei conta de uns pepinos, essa noite dormi bem, deu tudo certo de manhã aqui sozinho com o pequeno.Não era nada disso.
Eu tava sem mochila, sem nenhuma mochila. Sem relógio. Sem cadeirinha do Zoé, sem capacetinho, sem nenhuma sacolinha, sem a corrente da bicicleta atravessada nas costas. Eu tava só com os pedais embaixo dos pés. A sensação de leveza não era uma sensação. Era leveza mesmo, física. Menos peso envergando tudo. O que me deu uma sensação de leveza geral, de achar a vida boa. E foi só isso. Tirar um pouco do peso, quilos, das costas.Sou dessa moçada que leva até roupa extra dentro da mochila, geralmente enorme, com um guarda-chuva, com apagador, com uma posca que quase nunca uso, com um caderno médio, outro pequeno, cada um pra uma coisa. Um ou dois livros, dificilmente abertos no caminho, mas a esperança persiste. Sabem?
Aí me lembrei do Mukuka Xikrin, morador das terras afetadas por Belo Monte. Num debate que publicamos no Atual ele contava como foi a marcha para parar a construção da barragem: “Aí o pessoal, no dia 19, começou a arrumar as coisas, começou a pegar a farinha e sal, só isso. Índio quando vai pra guerra, não tem negócio de comer, não. Só come depois que ganhar a vitória.” Não levavam quase nada. Iam encostando e caçando, pescando, contou o Mukuka. Iam leves, e essa leveza não é nem paz nem fofura.
Depois me lembrei do Sergio Cohn – nunca vi de mochila – dizendo que nossa jornada é muito longa, muito difícil e que pra irmos com tudo que precisamos, deveríamos levar 80kg numa bolsa. Ele sacou que não daria pra ir muito longe, ou ia demorar. Entendeu que desses 80kg, tinha que escolher uns 20kg, imprescindíveis. O assunto com ele, numa conversa que já deve fazer uns três anos, era sobre bagagem... intelectual. Ele me explicava que tinha entendido que não daria pé ler tudo o que precisávamos, e elegeu coisas pra conhecer, essas foram levando pra outras, pra outras. Um quarto dos provimentos totais, aí sim, seguir caminho.

segunda-feira

Animalidade e viração no Centro de Arte Hélio Oiticica | Inscrições até 06/06/16


Os encontros acontecerão aos sábados e as vagas são limitadíssimas. Ao enviar o email de inscrição, você receberá um formulário. Preencha com atenção, as informações prestadas serão avaliadas para a pré-seleção. Os pré-selecionados serão convocados para entrevista nos dias 15 e 18 de junho. Os selecionados poderão frequentar as oficinas de manhã: 10h-13h; ou à tarde: 15h-18h. Vai ser bonito!
crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana